sexta-feira, 25 de maio de 2012

Brasileiros, um povo sujo?


Contradição / Contradiction by Cristiano de Jesus

A corrupção e seus tentáculos sinuosos ...

Eu lembro-me bem de ter lido em 2007 uma resenha do livro de memórias de Carly-Fiorino, ex-CEO da Hewlett Packard. O resenhista afirmava que a única menção que a autora havia feito do Brasil era sobre um episódio inesperado que se viu envolvida. Um diretor administrativo da HP brasileira engendrara, por meio de um encontro, uma oportunidade de suborno a políticos em troca de favorecimentos.

Recordo-me também de uma pesquisa realizada pelo IBOPE em 2006 chamada "Corrupção na política: eleitor vítima ou cúmplice?". O que mais chama a atenção nesse trabalho é a alta porcentagem de pessoas que consideram aceitáveis alguns desvios éticos como pagar propina para um guarda de trânsito, guardar uma carteira perdida mesmo conhecendo-se o dono, compra de produtos piratas e outros. Pior ainda é o alto índice daqueles que admitem que aproveitariam a oportunidade de corromper se estivessem no lugar dos políticos.

Chama a atenção uma tese de doutorado da Universidade Católica de Brasília (UCB) trazida a público pelo Correio Brasiliense que constatou que 13,6% dos entrevistados se mostraram interessados no recebimento de suborno e esse índice dobra quando o termo "suborno" é trocado por "incentivo" ou "benefício".

Se esses dados já são chocantes só de aparecerem nos noticiários, mais chocante ainda é presencia-las ao vivo na sua frente. Cito apenas alguns casos ...

Basta observar no trânsito todos os dias como anda o nível da índole dos brasileiros. Trata-se de uma minoria, mas um minoria bastante grande, de pessoas sem educação, sem escrúpulos e assassinos em potencial.

Eu lembro bem quando meu querido avô faleceu. Somente depois de alguns dias ao analisar um cupom fiscal na minha carteira, dei-me conta que um comerciante havia cobrado R$300,00 de um simples buquê de flores. Esse sujeito representa pra mim a figura viva de um vampiro urbano.

Volto aos noticiários para lembrar de um outro fato parecido que mostra o caráter oportunista dos brasileiros: vários países estavam "enxugando" suas delegações para o evento Rio+20 devido a verdadeira extorsão que estava sendo realizada pelos hotéis cariocas ao cobrarem diárias 20% mais caras. O que poderá acontecer durante a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e durante as Olimpíadas de 2016?

Um comportamento patético que aparentemente está ficando cada vez mais comum eu presenciei em um centro de compras no qual fui almoçar com a minha família. O local estava lotado e estava difícil encontrar um lugar disponível para acomodar minhas crianças quando percebi uma família se movimentando para liberar uma mesa. Fiquei próximo respeitosamente até que saíssem. Quando eu estava ocupando o lugar, de forma inacreditável um senhor de meia idade que estava a vários metros dali saiu correndo (literalmente) e colocou suas bolsas sobre a mesa e sua filha de aproximadamente 7 anos em uma das cadeiras. Eu fiquei com muita vontade de expulsa-lo dali mas me contive. Quando finalmente encontrei um lugar presenciei ao meu lado um casal e seus filhos passarem exatamente pela mesma situação.

Nós temos a ingênua percepção de que a corrupção é própria de bandidos cujo estereótipo fora forjado por anos pelos filmes hollywoodianos e absorvidos por nossa mente incauta. Triste atributo da maioridade a percepção realista que nos permite observar que a corrupção está em todos os lugares, desde a criança que pratica bullying na escola até o pai de família que te vende flores.
Todo esse cenário me leva a refletir sobre duas teses bem conhecidas do célebre filósofo renascentista Nicolau Maquiavel:
O homem que tenta ser bom o tempo todo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons. O Príncipe.

Maquiavel é conhecido por ter criado a chamada "Ética da Responsabilidade" que é diferente da "Ética dos Princípios". A primeira diz respeito a vida pública e a segunda refere-se a vida privada. Esse filósofo defende que a preservação de princípios absolutos na vida pública nos torna pessoas fracas e subservientes. Quando esse comportamento é comum numa sociedade, ela tende a descambar para a corrupção. Virtuosos são aqueles que compreendem o bem comum e lutam para preserva-lo.
... quem estabelece uma república e ordena suas leis precisa pressupor que todos os homens são maus e que usarão a malignidade de seu ânimo sempre que para tanto tiverem ocasião. Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio.

Maquiavel, ao contrário do que parece, não afirmou que a maldade faz parte da natureza humana mas sim que a impetuosidade dos homens na busca de seus próprios interesses provoca as atitudes desprezíveis. Por isso são necessárias leis e padrões, além de pessoas virtuosas dispostas a evoca-los sempre que se faz necessário, para conter aqueles que são propensos ao comportamento nocivo a sociedade e a coletividade.

E para finalizar ...

Se você não tem a coragem de ser um inimigo do mal, então também não pode ser um amigo do bem. (Makiguti)

Pense bem nisso e limpe-se da sujeira da corrupção. O que? Você não é corrupto? Não importa, se você não faz nada para combate-la, você está sujo do mesmo jeito!

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Manifesto por um aprendizado emancipatório

Contemplação / Contemplation / Kontemplation by Cristiano de Jesus

Reflexão sobre a postura (necessária) do estudante diante dos desafios impostos pelo processo de aprendizagem.

As experiências que acumulei durante o tempo que atuo como educador e toda base teórico-filosófica que estudei durante longos e difíceis anos de formação acadêmica, permitem-me identificar ao menos três considerações muito importantes acerca do processo de aprendizagem, quais sejam:

1. Humildade

Não poderia deixar de lembrar de Sócrates, pai da filosofia ocidental, que evocava sua célebre frase "Só sei que nada sei" para demonstrar que uma das principais etapas para alcançar o saber é conhecer sua própria ignorância. Podemos saber muitas coisas mas não sabemos tudo. Muitas vezes nos são colocados desafios aparentemente desnecessários. Todavia, quem somos nós para decretar a inutilidade de uma certa competência ou habilidade? Antes de fazer isso, é uma tarefa muito apropriada responder ... quantos anos de vivência pessoal, acadêmica e profissional experimentei para defender tal afirmação tão seguramente? Quais argumentos eu posso elencar com tamanha segurança a ponto de confronta-los e sustenta-los até o fim diante de um mundo de posições contrárias? Em pleno século XXI, na era da informação, cuja comunicação com pessoas experientes, cujo acesso a teses e proposições, quase não encontram barreiras, seria esse um empreendimento justo e sincero ou pura teimosia?

2. Convicção

Sim, é necessária a convicção de que, mesmo que tudo conspire para o contrário - distrações, diversão, cansaço, e outros - perseverança, concentração e foco são elementos fundamentais para o aprendizado. Eu lembro da importante lição que Platão deixou com o seu "Mito da Caverna" em que pessoas que nasciam e viviam em uma certa caverna não conseguiam compreender nada que não fossem sombras projetadas nas paredes. Essas sombras eram a "realidade" dessas pessoas. Quando alguém oriundo do mundo externo tentava liberta-los, dois obstáculos quase intransponíveis se impunham: primeiro, a resistência em se por a entender algo além das sombras, e segundo, a preguiça, visto que é necessário esforço, também movimento e energia para sair da caverna - são trechos com rochas a serem escaladas, curvas, bifurcações que induzem ao erro e ao retrabalho, e muitos outros desafios. Não há atalhos para o aprendizado! Ele é possível somente pela ação firme em direção ao objetivo.

3. Seleção

O velho Comte estava errado em querer justificar a divisão social de classes pelo conceito darwinista de "seleção natural", entretanto a vida impõe um certo mecanismo de seleção, não radical e determinista como queria Comte, mas há sim em curso contínuo uma dinâmica social que impõe regras que tendenciam as pessoas ao sucesso ou ao fracasso. Abro um parêntese aqui para afirmar que esse "sucesso" o qual me refiro não se trata do sucesso econômico, mas sim do sucesso existencial humanista que está relacionado com o quanto conseguimos desenvolver, durante nossas vidas, do potencial intelectual e criativo que sempre tivemos, e sobre como conseguimos converter esse desenvolvimento pessoal e individual em contribuições para gerações futuras. Eu defendo que é na sensação de realização que encontramos a sensação de felicidade. Fechado o parêntese, passo a contar uma estória que ouvi certa vez e acredito poder esclarecer muita coisa sobre a missão do professor quase inalcançável de conduzir todos seus pupilos. A estória afirma que em uma certa região litorânea em uma certa época do ano, quando a maré subia trazia consigo uma imensa quantia de estrelas do mar que ficavam na areia quando a maré recuava. Triste destino desses animais que encontravam ali o seu fim por não conseguirem voltar ao mar. Numa noite, um jovem, desses muito seguros de si, caminhava pela praia quando viu um ancião pegar com as mãos estrela por estrela e lança-las em direção ao mar. O jovem achou estranho tal comportamento e inquiriu: - senhor, o que adianta esse trabalho? Há aqui talvez milhares de estrelas! Que diferença faz esse esforço todo? O velho, com tranquilidade respondeu: - pra essas estrelas que estou devolvendo ao mar, o meu esforço faz toda diferença! Eu vejo muito da missão do professor no trabalho desse velho. Obviamente que não podemos ajudar a todos, mas àqueles que conseguimos tocar podemos fazer muita diferença. Anualmente eu vejo uma legião de novos estudantes chegando as universidades e poucos saindo. Claro que há inúmeros imprevistos que nos impossibilitam de seguir em frente, mas a maioria daqueles que desistem não podem atribuir senão a si mesmos o seu fracasso. No início da minha carreira docente isso angustiava-me imensamente, hoje vejo com serenidade que a libertação da caverna escura para o deslumbre da luz é para poucos.